domingo, 20 de maio de 2018

{arco de Íris}

Eles traziam na singularidade dos seus encontros abalos sísmicos nas terras próximas e invulgares fenómenos celestes em que numerosos anéis de tons prateados cirandavam a lua cheia no firmamento. Traziam com eles a ternura da fruta madura e doce partilhada por entre os seus dedos e a dança harmoniosa das asas dos moinhos altos que cortam graciosamente o ar daquela serra que ela diz ser sua.  E, na profundeza daquela conexão tão única, traziam o arrebatamento de uma criança que explora sozinha uma praia deserta, recolhendo pedras, algas e conchinhas, fascinando-se em cada formato e cor que observa. 

Eles trariam bem mais consigo pelas mãos dadas, percorrendo tantas paisagens e lugares quantas as ondas que atrevem-se a trepar o areal da praia sempre cinzenta. Mas traziam também entre si uma sequiosa ânsia de uma qualquer coisa que não se sabe nomear e que instalava-se controversa e abrasiva entre ambos. Uma aspereza que lembrava a precipitação e a impertinência dos carrapatos que assaltam os vestidos de quem atravessa os campos secos ou a intransigência dos espinhos das roseiras bravas que cerram tantas vezes a passagem para um outro lugar. Na impulsiva urgência desta qualquer coisa sem nome, e na exigência dos trilhos por onde caminhavam, cada pele, a cada passo, foi sendo arranhada, arrancada, até encontrar a carne viva.

Não souberam apreender a frugalidade das ondas da praia cinzenta que alongam-se num movimento contínuo, ilimitado e incondicional. Caiem, amparam-se, abraçam-se e erguem-se novamente unidas, avançando destemidamente numa nova vaga sobre a praia.
Os alcáceres, firmes estruturas de abrigo, jamais são construídos sobre colinas hesitantes e demitentes. As suas torres e muralhas reservam ao tempo a consolidação das suas  alvenarias em pedra e a estabilização do terreno onde se fundam. Em pressa, todas as fortificações abatem e deixam desprotegidos quem por lá habita.




Depois de uma tosca despedida, ela reuniu a imensidão da fragilidade e a delicadeza das grandiosas-poucas-coisas que ele trazia-lhe ao mundo numa bolsa de linho bordada. Mais tarde, enterrou-a numa pequena gruta de uma praia fluvial virada a Sul.
Sem jamais entender a razão deste sentimento, desde cedo que temera que a morte o enlaçasse cedo demais ou que o fizesse sem ela tomar conhecimento. E isso inquietava-a. Assim, confiou a bolsa a Íris, leal mensageira dos deuses, pedindo-lhe que nas suas viagens entre o céu e a terra trouxesse-lhe notícias sobre ele.  

A bolsa agora de Íris é bordada ao centro com um grande coração encarnado majestosamente coroado por flores de diversas cores. O encarnado do sangue, daquilo que é visceral, num coração que lamenta terem juntos assistido a um arco-íris branco, lunar, sabendo não existir jamais lugar à partilha do vislumbre de um arco de sete cores.

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