Desceu discreta, de pés finamente cautelosos, evitando pisar as madeixas mortas de cabelo negro, longamente muito escuras, que cobriam o frígido empedrado das escadas. Pelos últimos degraus, mesmo antes do patamar taciturno cujo singular enxadrezado em mármore rosa tem sido repetidamente violado, e por onde se faz a saída daquele sítio ermo para o mundo, ela viu-a.
Estava sentada. Violentamente enrolada sobre si.
Levantou o rosto à sua passagem e olhou-a num envergonhado desalento. Tremia de frio, de fome e de terror.
Tremia de tudo.
Ela curvou-se perante a mulher e viu-lhe as rugas gritarem numa face demasiado seca por uma existência desamparada de vão de escada. Um vida desesperançada.
De olhos baixos, aquela mulher embrulhada pediu-lhe desculpa pelos cabelos que alastram-se pelo chão.
- Já não tenho forças para os limpar.
Caiem-me.
São sempre demasiados.
- Nada. - Respondeu-lhe.
A mulher fixou-a então perplexa e puxou-a para si num brusco aperto pela mão.
- Nádia... Desculpa. Ninguém me pergunta pelo meu nome e eu já não o sei dizer.
- Precisas de alguma coisa, Nádia?
- Preciso de tangerinas.
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