terça-feira, 18 de abril de 2017

ciano-verde {a minha avó menina}


Quando por fim esse teu corpo morreu-nos fechei-te as mãos em redor de um pedra turquesa. Confiei entre as tuas palmas transparentes, desengraçadas, uma pedrinha redonda, azul celeste, polida com o mesmo cuidado com que protegias-me as pequeninas mãos ao caminharmos pela rua.
Nesse dia, para ti por fim sereno, guardei a pedrinha no casulo dos teus dedos paralisados que dormitavam sobre um peito já demasiado anónimo. Aquele que tinha sido o teu peito, meu colo, mas onde já tanto faltavas.
 
Nós éramos duas meninas, avó.
Éramos duas meninas sem diferença na idade a não ser a da matéria. Meninas que percorriam contos sobre o mar espantando-se nas espirais dos búzios e nos reflexos das conchas molhadas ao Sol. Juntas, confidencialmente sozinhas, segredávamos por fim às nuvens e cantávamos, vivas, sem temer desafinar.
Conhecias-me bem.
 
Neste teu colar eu encontrava junto à tua respiração um outro sol, planetas e um par de estrelas em sua órbita.  Não cheguei a dize-lo, mas soubeste-o seguramente. Estas turquesas que usavas ao pescoço eram pontos luzentes de magia num mundo violento demais a ambas. Demasiado ríspido. Excessivamente alheado.Sobre as turquesas, as pedras de Hator e Ísis, deusas cujo colo são o trono real do céu que é afinal o ventre imenso de uma deusa mãe maior, são também amuleto de Yemoja, rainha africana dos oceanos. E é por certo aqui, avó, por entre estes quatro cantos do firmamento, sobre o infinito azul levemente esverdeado das tuas pedras mágicas, que sei que cuidas ainda das minhas mãos como fazias, num aflito aperto maternal, ao atravessarmos o Rossio e a Rua do Ouro.
Estas mãos, avó. Estas mãos hoje ainda tão pequeninas.  




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